quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Música - Bossa Nova

Os anos que se seguiram entre as décadas de 1950 e 1960 caracterizaram-se por uma interminável pluralidade musical onde tiveram destaque tanto pelo sucesso quanto pelo contexto histórico a que pertenciam a Bossa Nova, o Tropicalismo e a Jovem Guarda.

A Bossa Nova


A década de 50 foi marcada pelo aparecimento de uma geração de músicos e poetas que mudou definitivamente o estilo de nossa música popular: a Bossa Nova, que foi atacada pelos críticos mais ortodoxos como mera influência do jazz em nossa música. Nada mais retrógrado e fora da realidade, porque, se alguma influência houve, ela se deu no sentido contrário, com os maiores músicos americanos prestando homenagens sem conta à Bossa Nova. É só lembrar as gravações de Frank Sinatra com Antonio Carlos Jobim, as do saxofonista Stan Getz, as de Ella Fitzgerald, assim como as de Sarah Vaughan. Como sempre, o “novo” causa embaraço e temor ao “estabelecido”, e a Bossa Nova chegou para sepultar um jeito excessivamente romântico e europeizado que cobria de mofo parte da riqueza de nossa música. A Bossa Nova surgiu em uma circunstância muito especial da história do Brasil, que redemocratizado após o fim da Segunda Guerra Mundial, começava a se encontrar com seu destino. Há quem considere decisivo o surgimento de um baiano chamado João Gilberto, que com seu jeito “diferente” de cantar e tocar violão subverteu a máxima que garantia que “bom cantor, tinha que ter vozeirão”. João chegou de mansinho com um repertório que incluía músicas novas e releituras de antigos sucessos da MPB. E o seu primeiro disco, “Chega de Saudade”, gravado e lançado em 1959, tornou-se a primeira pilastra do monumento nacional chamado de Bossa Nova. Na verdade, a Bossa Nova não chegou para relegar ao passado a nossa memória musical. Muito ao contrário, revigorou o samba urbano, trazendo um acento diferente que encantou o mundo. Pode-se dizer que, apesar de o Papa da Bossa Nova ser baiano, ela surgiu na Zona Sul do Rio de Janeiro, num perímetro que ia de Copacabana a Ipanema. É que ali vivia uma geração de jovens extremamente talentosos: Tom Jobim, Roberto Menescal, Carlos Lyra, Nara Leão, Vinicius de Moraes, Ronaldo Boscoli e muitos outros. Reunidos em apartamentos em Copacabana como dos pais de Nara, ou do poeta e compositor Osvaldo Santiago (parceiro de Braguinha), eles iam trocando figurinhas, namoros, harmonias, melodias, letras de música.Jobim, o mais profissionalizado de todos, já que vivia de tocar na noite e dos arranjos que começava a escrever, viria a se tornar um ícone da Música Popular Brasileira, seja nas suas parcerias com Newton Mendonça ou com Vinícius de Moraes. Se bem que uma de suas canções mais conhecidas (ao lado de “Garota de Ipanema”, feita em parceria com Vinícius), e que é considerada a música brasileira de maior número de gravações e execuções em todo o mundo, foi feita sem parceiros: a maravilhosa “Águas de Março”, que em dueto com Elis Regina, até hoje certamente ainda encanta desde o mais simples ouvinte até os anjos no Paraíso. O que havia de realmente diferente naquela nova música que surgia era o fato de que seus autores não vinham dos morros, como os sambistas tradicionais, ou das camadas mais desfavorecidos do tecido social brasileiro. Quase todos nasceram em ambientes de classe média ou alta, o que lhes proporcionou uma educação mais ampla. Puderam estudar música de forma sistemática, e em suas vitrolas rodavam, além dos discos de música brasileira, os grandes compositores americanos como George Gershwin, Richard Rodgers e Cole Porter, tendo sido influenciados por eles no que se refere ao apuro técnico, aos arranjos e à qualidade das gravações. Este “berço dourado” foi o responsável por muitos dos ataques desferidos à Bossa Nova por aqueles estudiosos e críticos mais severos. Para eles, só a música vinda do “povo” poderia ser rotulada de “verdadeiramente brasileira”. Se estes acertavam no alvo ao apontar o samba, o choro, o baião e alguns outros ritmos como os verdadeiros produtos de nossa cultura, erravam feio ao discriminar a Bossa Nova por não ter ela nascido em favelas, mocambos ou mangues. Havia algo de errado no reino da sociologia da música, e o tempo se encarregaria de mostrar quem estava com a razão. É preciso destacar também o estupendo avanço na tecnologia de gravação – microfones mais sensíveis, a construção de estúdios de primeira qualidade, a passagem do HI-FI (alta fidelidade) para o sistema estéreo, o surgimento do LP, aposentando definitivamente as pesadas “bolachas” de 78 rotações por minuto. Não era mais preciso ter voz de tenor (como Francisco Alves) para tocar o coração do público. Bem é verdade que alguns poucos artistas, como Mário Reis e Dick Farney já haviam mostrado o caminho da suavidade, mas eram ambos figuras isoladas em um cenário onde o “dó de peito” dominava. Aliás, a revolução da Bossa Nova foi também determinante na transformação das cantoras brasileiras. Antes, elas se dividiam em “carnavalescas” (Carmem Miranda, Linda e Dircinha Batista) e trágicas (Elizeth Cardoso, Maysa e até Claudete Soares, que mais tarde se “Bossanovizou” como diziam na época). A partir daí, a interpretação passou a marcar presença de modo muito mais suave. Exemplo claro é o de Nara Leão, que de tanto ouvir música em casa acabou por se tornar a musa da Bossa Nova. Com seu fio de voz Nara conquistou uma legião de admiradores dentro e fora do círculo musical, tornando-se uma típica cantora da Bossa Nova e marcando, definitivamente, o seu lugar na história de nossa música popular. É só ouvir com atenção as faixas com Nara (“Esse seu Olhar”, “Outra Vez”, “Wave”, “Samba de Uma Nota Só”). É bom destacar que esta última faixa é bem um retrato da arquitetura musical da Bossa Nova - uma linha melódica muito simples, quase de “uma nota só” mesmo, que balança marota sobre uma harmonia com poucos, mas bem escolhidos acordes.Duas artistas que também deram sua contribuição foram Sylvia e Cláudia Telles, com “Discussão” e “Ilusão à Toa”. Outro fio de voz que também podemos citar é o de Astrud Gilberto, que foi casada com João Gilberto e mais tarde com o saxofonista americano Stan Getz. Astrud foi uma das responsáveis pela difusão da Bossa Nova nos Estados Unidos, e pode ser ouvida nesta viagem sonora em “Só Tinha que Ser com Você”.Elis Regina também não resistiu aos encantos da Bossa Nova, tendo gravado muitas faixas solo ou com Tom Jobim. Se havia alguma dúvida quanto ao “pedigree” da Bossa Nova, já que as suas musas não eram verdadeiras “divas vocais”, elas se dissiparam a partir do momento em que Elis gravou Tom, Carlos Lyra e muitos outros. Também foi a Bossa Nova a responsável pelo incremento dos grupos vocais em nossa música. Não é que não existissem antes, como atesta a presença marcante dos paulistas Demônios da Garoa, muito vinculados à obra do grande Adoniran Barbosa, ou os Namorados (mais tarde “Garotos”) da Lua. Mas é que as vozes passaram a ser tratadas como instrumentos, com harmonias mais complexas em vez de uníssonos ou no máximo acordes em terças (maiores ou menores). Com o estudo da harmonia se tornando comum entre os jovens músicos, certamente a tessitura vocal só teria a ganhar. Data do começo dos anos 60 o surgimento de dois grupos que até hoje se mantém fiéis à sua origem: os rapazes do MPB-4 e as meninas do Quarteto em Cy. Acompanhando cantores e compositores em festivais ou em shows solo, estes dois grupos marcaram presença ao longo de décadas de boa música, irreverência e resistência cultural quando as nuvens pesadas da censura escureceram os horizontes culturais brasileiros, a partir de 1968. O Quarteto em Cy gravou “Soneto do Amor Total”, “Imagem”, “Canto de Ossanha” e “Chega de Saudade”, dentre outras com versos de Vinicius de Moraes, um “mulherólogo” diplomado, que ao longo de seus diversos casamentos tratou de criar “receitas para o amor eterno”. Enquanto este durasse, é claro. Então, nada melhor do que quatro mulheres para interpretá-las! É bom que se citem Os Cariocas, um verdadeiro combinado de vozes e instrumentos, em eternas disputas com o mítico Tamba Trio. Já o MPB-4 sempre foi combativo na escolha de seu repertório e na temática de seus shows. Certamente os quatro rapazes também cantaram as dores e alegrias do amor, mas estavam sempre conectados com a realidade social do país, como estavam, aliás, muitos dos jovens daquela época.Outro grande nome de nossa música: Edu Lobo, filho do jornalista e compositor Fernando Lobo (autor do livro “Na Mesa do Vilarinho”, fundamental para quem quer saber mais sobre a nossa música, além de sucessos como “Nega Maluca”), não é o que se pode chamar de “Bossanovista”, por natureza, mas era - e é – certamente, um passo adiante na evolução de nossa arte maior. Sua matéria-prima básica era a música que ouviu na Recife de seus pais, mas com um novo sentimento. Aos vinte e poucos anos, já era considerado um gênio por canções como “Arrastão”, ganhando festivais sem conta e emocionando as platéias com seu jeito tímido e rosto de bom moço. Por trás daquela imagem, um músico talentosíssimo, exigente e rigoroso em seu trabalho, que até hoje reluz na música brasileira. Assim como os cantores e os compositores, também os músicos brasileiros absorveram com ardor as lições da Bossa Nova. Grandes instrumentistas sedimentaram sua carreira e criaram uma escola bem brasileira de tocar e arranjar. Durante o período dos grandes programas de música ao vivo na TV Brasileira, a “batalha” entre os grupos instrumentais a cada dia se sofisticava mais. E tanto o Rio de Janeiro quanto São Paulo abrigaram verdadeiros “templos” de música. Tamba Trio, Jongo Trio, Bossa Três, Copa cinco, o grupo de Sérgio Mendes, todos verdadeiros escretes a serviço da música.Também aí se vê outra dramática mudança provocada pela Bossa nova. Em décadas anteriores, os solistas eram as figuras de frente das formações: Waldir Azevedo, Pixinguinha, Jacob do bandolim e muitos outros. Mas a nova música destacava a seção rítmica dos grupos, geralmente formado por piano, bateria e baixo. Esta foi a verdadeira base da Bossa Nova em disco e shows ao vivo, e o nome de Luiz Eça, do Tamba Trio, é um dos que brilham mais forte. Eça fez arranjos para um sem-número de shows e discos, além dos próprios. Sérgio Mendes é um dos mais bem-sucedidos músicos brasileiros no exterior. Seus discos sempre estiveram nas paradas de sucesso e ele deve muito à Bossa Nova e ela à ele. Com o Bossa Rio, o Brasil 66 e outras formações, Sérgio foi um dos artistas que solidificaram este jeito brasileiro de fazer música.Não há dúvidas de que os fabricantes de violão foram muito beneficiados pela Bossa Nova. Mais prático que o pesado acordeão e mais simples de tocar que o vetusto piano, rapidamente o violão perdeu a aura de “instrumento de malandro” e subiu na escala social. Se João Gilberto já emprestara um ar moderno ao “pinho”, a revalorização deste tradicional instrumento se deu pelas mãos de um grande artista, Baden Powell, que faz em seis cordas a música de muitos instrumentos. Além de João Gilberto, famoso pelo talento e algumas excentricidades, há ainda outras “figurinhas carimbadas”, como por exemplo João Donato. Considerado um dos mais criativos músicos brasileiros de todos os tempos, Donato também coleciona uma obra avara, mas muito bem construída. Um exemplo é “A Rã”, que recebeu letra de Caetano Veloso muitos anos depois de composta e foi gravada por Gal Costa. Com tudo isso, há que se perguntar, se alguém ainda duvida da força da Bossa Nova. Bem, há sempre os saudosistas, que apostam todas suas fichas na força de uma tradição imutável e esterilizada. Mesmo entre os artistas de outras linhas da MPB, como os tropicalistas Caetano Veloso e Gilberto Gil, a Bossa Nova é uma unanimidade. Caetano sempre destacou a importância de João Gilberto e Tom Jobim e outros em sua vida artística. Gil, um artista de amplo espectro musical, compôs algumas músicas calcadas na Bossa Nova, e também presta reverência a este movimento artístico. Para não falar os roqueiros, como Lobão e Cazuza, que também escutaram os discos básicos da Bossa Nova, mesmo sendo adeptos das guitarras elétricas, do rock e do blues. As muitas homenagens prestadas em incontáveis festivais internacionais, as gravações de famosos instrumentistas, a reverência dos críticos diante do “Brazilian Beat” são provas mais que suficientes de que a Bossa Nova, Brasileira de alma e coração, tem um espírito universal que toca aos amantes da boa música de qualquer quadrante do planeta. É claro que a riqueza musical brasileira tem ainda tesouros imensos para serem explorados, mas a Bossa Nova brilha no lábaro estrelado para sempre, e será sempre uma referência fundamental para quem quiser saber quando e como foi que a nossa música rompeu as barreiras da língua e dos mercados estrangeiros, para ser aceita universalmente como uma das mais belas expressões do jeitinho brasileiro
de ser.

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